sábado, 13 de junho de 2009

Memória de um dia como o de hoje


Disseram-me que estava um dia quente e abafado como esteve hoje, na véspera o jantar tinha sido um gaspacho com carapaus fritos, essa fresca delícia da gastronomia alentejana. Foi num dia assim como hoje, dia de Santo António, mas há umas décadas atrás. A minha mãe a sofrer. Não só de calor, não apenas de cansaço mas também de dores. Muitas dores,disse-me. Dores suportadas sem ajuda médica, nem medicamentos mas com uma grande alegria. Em casa, tendo ao lado a mãe, a irmã e uma vizinha, a soprar para dentro de uma garrafa e agarrada às mãos que se lhe ofereciam generosamente a minha mãe ia gemendo de dores e aguentando.
Horas e horas de sofrimento até eu nascer. Nasceu teimosa e robusta esta alentejaninha de gema, desde cedo habituada ao arroz de passarinhos, apanhados pelo meu pai, especialmente para mim, em armadilhas armadas para o efeito. O efeito era obviamente nutrirem-me, numa altura que ainda não havia farinhas lácteas, como por exemplo a maizena - passe a publicidade - pelo menos para mim, assim vim com o inclemente calor de Junho, como nessa altura o mês dos santos populares costumava ser.
Comecei por berrar os sete berrados, depois de apanhar as palmadas da praxe. A vizinha experiente, transformada em parteira, que haveria de cortar o cordão que nos unia às duas. Mãe e filha unidas para a vida. A vizinha adquiriria nesse tempo o estatuto de "madrinha" por ter sido ela a cortar o cordão umbilical. Já não habita neste mundo mas, durante muitos anos da minha vida ainda convivi de perto com ela.
A minha verdadeira madrinha estava ao lado, era a minha avó que também já partiu mas está com toda a certeza num lugar muito bom, a acompanhar de perto a minha caminhada. Sinto que está comigo a todas as horas da minha vida.
A minha tia, irmã da minha mãe foi hoje uma das primeiras pessoas a dar-me os parabéns. Ela que sofreu há pouco um dos maiores desgostos que uma mulher deve sofrer. Ninguém deve sofrer assim, principalmente uma mãe. Deve sofrer-se para a vida, não para a morte.
Como sempre, ao meu lado estiveram hoje as mulheres da minha vida - e os homens também claro porque, meus amigos vocês também são muito importantes para mim - que são a minha mãe, a minha irmã e a minha sobrinha. Eu e elas, unidas por um cordão invisível mas forte e inquebrável. Um cordão de amor. Para elas envio um forte e caloroso abraço.
E ... obrigada mãe!!!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Sócrates e a Liberdade

Li há uns tempos atrás este texto de António Barreto no Jornal Público e deixo-vos hoje com ele. Considero-o um tema importante e actual. Eis um texto de um "insuspeito" que pede para acordarmos. Ou ao menos para reflectirmos.


"EM CONSEQUÊNCIA DA REVOLUÇÃO DE 1974 , criou raízes entre nós a ideia de que qualquer forma de autoridade era fascista. Nem mais, nem menos. Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres?Fascista! Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro? Fascista! Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório? Fascista! Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados de fascistas. Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos. Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor foi quase totalmente destruída.

EM TRAÇO GROSSO, esta moda tinha como princípio a liberdade. Os denunciadores dos 'fascistas' faziam-no por causa da liberdade. Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade. Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros. Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas culturas. Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade. A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população estava no mais baixo.

POR ISSO SINTO INCÓMODO em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes. As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte residem no nosso país. Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se. A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se. O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados. Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.

O CATÁLOGO É ENORME. De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana. Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades. Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.

MAS NEM É PRECISO IR LÁ FORA. A vida portuguesa oferece exemplos todos os dias. A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano. Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos. A vídeovigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso. A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro. A interdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e a necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência. A pesada mão do governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos. A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante. As interferências do governo nos serviços de rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na 'comunicação social' em geral, sucedem-se. A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas. A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.

NÃO SEI SE SÓCRATES É FASCISTA. Não me parece, mas,sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo. O Primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.


TEMOS DE RECONHECER: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo..."

António Barreto in Público

domingo, 7 de junho de 2009