quinta-feira, 14 de junho de 2007

Assim, sem nada feito e o por fazer


Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim , como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa

Ténue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem acção,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quer.

Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solenemente por ser lida,
Ah, deixem-me sonhar sem esperar!


Fernando Pessoa in Cancioneiro

Hoje deixo-vos este poema de Pessoa, sinto-me melancólica e pouco sociável. Prometo que amanhã já andarei por aí a pular de contente. Mas hoje... também sinto os meus dias nulos decorrer, e o cansaço de nada me aumentar.
Um Abraço!

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