O grito de Edvard Munch - 1893
Já não acreditamos naquilo que todos dizem. Os jornais caem-nos das mãos. Sabemos que aquilo que todos fazem conduz ao vazio que todos têm. Poderíamos continuar adormecidos, distraídos, entretidos. Como os outros. Mas naquele momento vemos com clareza que tudo terá de ser diferente. Que teremos de fazer qualquer coisa semelhante a levantarmo-nos de um charco. Qualquer coisa como empreender uma viagem até ao castelo distante onde temos uma herança de nobreza a receber. O tempo que nos resta é de aventura. E temos de andar depressa. Não sabemos se esse tempo que ainda temos é bastante. E de súbito descobrimos que temos de escolher aquilo que antes havíamos desprezado. Há uma imensa fome de verdade a gritar sem ruído, uma vontade grande de não mais ter medo, o reconhecimento de que é preciso baixar a fronte e pedir ajuda. E perguntar o caminho.
Ficamos a saber que pouco se aproveita de tudo o que fizemos, de tudo o que nos deram, de tudo o que conseguimos. E há um poema, que devíamos ter dito e não dissemos, a morder a recordação dos nossos gestos. As mãos, vazias, tristemente caídas ao longo do corpo. Mãos talvez sujas. Sujas talvez de dores alheias. E o fundo de nós vomita para diante do nosso olhar aquelas coisas que fizemos e tínhamos tentado esquecer. São, algumas delas, figuras monstruosas, muito negras, que se agitam numa dança animalesca. Não as queremos, mas estão cá dentro. São obra nossa. Detestarmo-nos a nós mesmos é bastante mais fácil do que parece, mas sabemos que também isso é um ponto da viagem e que não nos podemos deter aí. Agora o tempo que nos resta deve ser povoado de espingardas. Lutar contra nós mesmos era o que devíamos ter aprendido desde o início.
Todo o tempo deve ser agora de coragem. De combate. Os nossos direitos, o conforto e a segurança? Deixem-nos rir... Já não caímos nisso! Doravante o tempo é de buscar deveres dos bons. De complicar a vida. De dar até que comece a doer-nos. E, depois, continuar até que doa mais. Até que doa tudo. Não queremos perder nem mais uma gota de alegria, nem mais um fio de sol na alma, nem mais um instante do tempo que nos resta.
Paulo Geraldo
4 comentários:
Bom Domingo de Festa!
Abusar da alegria, não da alimentação!
Um abraço.
Amiga Paginadora,
...Todo o tempo deve ser agora de coragem. De combate.
Como é verdadeiro este texto!
Que tenhas tido uma Páscoa muito feliz.
Um beijo
Jorge
A alegria anda tão arredia da maioria de nós, nestes tempos tão incertos que vivemos mas... sim devemos procurá-la,enebriarmo-nos ,afogarmo-nos nela e bebe-la até à última gota.
Digamos Não à abstinência de alegria.
Um abraço
Meg
Escolhi este texto porque me revejo nele.
Vivemos um tempo que tem de ser de coragem, de esperança e de luta.
O futuro não se apresenta nada risonho mas, temos que ser nós, hoje e agora a construir um amanhã melhor.
E porque não mais solidário e mais feliz? Faço votos que assim seja.
Um beijo grande
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